Ana Cristina Polo
Cristiane Camargo Gimenes
Karina de Lamare Leitzke Fernandes
Maiara M. Carvalho Correa[1]
“O jogo é um fim em si mesmo para a criança; para nós deve ser um meio.” (Brougère, 1998, p.122)
A dimensão lúdica, desde muito tempo, habita os debates a respeito de sua implicação no contexto escolar. É notória a importância de utilizarmos a ludicidade como ferramenta pedagógica no processo de desenvolvimento e aprendizagem, confirmando Fortuna (2000) ao dizer que brincar é sim, aprender. Devido a isso e a partir das observações realizadas na escola, que desempenhamos nosso projeto, constatamos a ausência de recursos lúdicos dentro do contexto da sala de aula nas praticas pedagógicas dos professores. Por tais razões optamos por escolher o brincar e o jogo como tema gerador da nossa atuação enquanto bolsistas iniciando a docência.
A primeira questão que foi levantada pelo grupo PIBID foi: Aqui neste espaço educativo se brinca? Refletimos sobre tal questão, não pelo fato desta ser uma escola com crianças, as quais precisam brincar na infância, mas por acreditarmos na importância dos aspectos lúdicos ao longo da vida.
O trabalho está estruturado em quatro partes: contextualizar a escola; conceituar as concepções de ludicidade segundo diferentes autores; relacionar a temática principal com os sujeitos envolvidos, e explanar os êxitos e os desafios encontrados nessa prática.
A instituição escolar
Nossa atuação foi desenvolvida numa escola estadual, localizada no bairro Partenon na cidade de Porto Alegre/RS. A escola expôs as necessidades da instituição e dificuldades em desempenhar seu trabalho pedagógico. O trabalho ocorreu semanalmente com todas as turmas do jardim aos anos iniciais, incluindo crianças e adolescentes de cinco a quatorze anos de idade.
Conceituando o lúdico, jogo e brincadeira
O lúdico se manifesta sob diferentes atividades e nas mais diversas faixas etárias. Contudo, Dohme (2003) expõe que esta se ocupa de outras atividades tais como: histórias, músicas e artes plásticas. Assim, o jogo e a brincadeira são somente uma das possibilidades lúdicas. De acordo com as diferentes linhas teóricas, as terminologias do jogo, brincar e brincadeira variam de sentido e significado. Para Huizinga (1938) jogo é uma atividade voluntária, exercida em determinado tempo e espaço, seguindo regras pré- estabelecidas, dotada de um fim em si mesma com caráter fictício. Para Tânia Fortuna (2000) a caracterização do jogo pode ser atribuída à brincadeira, pois em ambas percebemos conceitos em comum, os quais também são identificados por Caillois (1957) que define a atividade lúdica como livre, delimitada, incerta, improdutiva[2], regulamentada e simbólica.
A partir destes autores, podemos perceber que ambos os conceitos não se distinguem em se tratando de suas aplicações práticas, apesar da brincadeira ser vista como uma ação desprovida de intencionalidade.
Ludicidade e os discentes
A partir dos treze encontros realizados entre as bolsistas e alunos da escola Padre Balduíno Rambo, contemplamos momentos lúdicos, objetivando em alguns destes a integração e reconhecimento dos participantes do grupo. Dando continuidade ao trabalho, buscamos brincadeiras que proporcionaram um agir com curiosidade, iniciativa e autoconfiança. Estabelecendo uma relação entre a ação e o pensar, os jogos coletivos não somente possibilitam modificações no âmbito do agir, mas também na organização do pensamento. Collares (2008) afirma que o trabalho em grupo tem a função de socializar dúvidas e descobertas, pensando sobre soluções, buscando a resolução do problema. Assim, sendo ativos frente às descobertas de si mesmos e do contexto do mundo, é através do jogo que possibilitamos este fazer, criar, reconhecer e dominar a realidade. Portanto, podemos pensar que além do prazer que o brincar proporciona, esta representa uma experiência não só externa como interna.
A “influência” da ludicidade nos docentes
Inicialmente, percebemos que os alunos pouco brincavam em sala de aula, concebendo o momento da brincadeira como a hora do recreio, ou seja, um momento livre e restrito. Certos questionamentos foram surgindo no decorrer do trabalho, entre eles: Que papel o brincar tinha no fazer pedagógico dos professores? O que pensam os educadores sobre o jogo na educação? A sala de aula pode ser um lugar de brincar?
Questões como estas foram refletidas por nós, considerando a separação que existe entre o brincar e o aprender. Esta dissociação entre os dois verbos não é vista somente no Rambinho. Os processos de escolarização estão centrados em ensinar conteúdos, destituindo o prazer da aprendizagem. Entretanto, como diz Fortuna (2000), o brincar é permitido somente na educação infantil, sendo abolido nas séries iniciais devido ao fato de que “agora é hora de aprender e não de brincar”.
Maluf (2007) complementa ao dizer que, o professor é figura essencial na criação dos espaços, na oferta dos materiais adequados e na participação destes momentos lúdicos, agindo, portanto enquanto promotor dos mesmos. Tal formação e preparação para aceitar e incorporar o lúdico na sala de aula, á algo construído e constituído em sua formação, que envolve a experiência do brincar enquanto criança.
Durante as vivencias de algumas atividades lúdicas verificamos estranhamento, a não disponibilidade e até mesmo a recusa de alguns professores frente às propostas das bolsistas. Sentimos esta postura de resistência através dos gestos, palavras, assim como da falta de participação e envolvimento dos mesmos. Se pensarmos que o jogo ensina, é possível que o professor aprenda mais com o jogo do que o próprio aluno, uma vez que um dos componentes da formação lúdica do educador é a própria vivencia do brincar, de acordo com Fortuna (2005). Collares acrescenta
Acolher movimento, a troca e os comentários (...) considerando os desafios ou convites à desacomodação, remete o professor a um lugar ativo, curioso, de reciprocidade, no qual se devolve ao aluno o convite à criação contextualizadora de si e do mundo. Sem essa compreensão e acolhimento, os alunos continuarão jogando sozinhos, e quem sabe aguardando que a escola, um dia, aprenda a participar do jogo (COLLARES, p. 04 2008)
Contudo o professor capaz de brincar deve estar apto a ouvir, aceitar o inesperado, trabalhar com o imprevisível, reajustar seu planejamento, em outras palavras reavaliar constantemente o seu fazer docente.
Bolsistas Brincando
Pensamos que a dimensão lúdica deve ser incorporada ao currículo, incluída como recurso didático. Seguindo nesta linha de pensamento, estabelecemos como recursos alternativos atividades como a música, a poesia e a contação de histórias inseridas nas oficinas. Estes recursos permitem um exercício de ação/ reflexão/ação, perpassando este viés teórico-prático, tais palavras complementam:
Neste sentido, o conhecimento da teoria é imprescindível para que o professor saiba identificar as diferentes formas pelas quais as atividades lúdicas se manifestam ao longo da infância e relacioná-las com o processo de desenvolvimento da inteligência. (...) será através da interação com o seu grupo de crianças que o professor terá condições de tomar decisões (...) significando, a partir da ação da criança, reais oportunidades construtivas. (Santos, 2001, p. 98).
Além de considerarmos uma formação pedagógica, cuja importância é indiscutível, em se tratando do lúdico, devemos elencar também a formação pessoal, que abrange aspectos como o senso crítico, a autonomia e a cooperação. Conforme tais autores, a partir das experiências decorrentes entre bolsistas e alunos nessa escola, estes valores foram constituindo-se mutuamente. Assim como refere Madalena Freire (1992), apesar das diferenças entre os indivíduos que compõem um grupo suas identidades, histórias e intervenções, constroem este espaço constituídos por todos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar da contradição vista, no âmbito prático, entre os dois elementos Jogo e Educação, estes encontram-se indissociados na teoria. Mas, mesmo sendo este um binômio complexo, nós durante o exercício da docência buscamos aproximar e aliar ambos conceitos. Nas relações estabelecidas em sala de aula, o educador que promove o brincar e valoriza o ato da brincadeira nas ações dos seus alunos é somente aquele que também é capaz de brincar. Confirmando Kishimoto (2003), o educador deve brincar, demonstrando não só prazer de fazê-lo, mas estimulando as crianças para tais ações. Entretanto, tal capacidade para entender o contexto da ludicidade além da preocupação com a mediação da mesma, não foram fatores que perpassaram as práticas pedagógicas da maioria das professoras da instituição da qual atuamos.
Nessa perspectiva, segundo Penteado (1997) a brincadeira deixa de ser coisa de criança e passa a ser coisa séria, digna de compor uma ação docente comprometida.
Em se tratando das repercussões do trabalho do grupo nos alunos da escola Rambinho, primeiramente, percebemos um não entendimento da proposta, evidenciado na postura reprimida diante das brincadeiras. Contudo, no desenrolar das dinâmicas, os educandos apresentaram-se mais colaborativos e receptivos, agindo como sujeitos ativos, disponibilizando-se para o momento lúdico e apropriando-se das brincadeiras.
Desta forma, podemos pensar que nossos objetivos de dissipar e contaminar os alunos com o desejo de brincar e buscar o prazer pelo mesmo foram alcançados em sua maioria. Todavia, como desafio para um trabalho posterior na instituição fica o de promover uma formação continuada voltada para o lúdico, instigando educadores a resgatarem sua infância, permitindo o jogo em suas vidas para que assim possam permiti-lo na sala de aula com os seus alunos.
Por último, consideramos que as influencias da ludicidade ocorreram não somente nos discentes, mas também nas bolsistas. Esta troca de experiências possibilitou um crescimento importante na formação de cada uma. Assim, enquanto educandas rompemos com nossas quietudes, sem cessar com nossas ações de re-construir, de forma individual e ao mesmo tempo coletiva.
Referências:
BROUGÈRE, G. (1998). Jogo e Educação. Porto Alegre: Artes Medicas.
CAILLOIS, R. Os jogos e os homens. A máscara e a vertigem. Edições Cotovia, Ltda Lisboa, 1990.
COLLARES, Darli. O Jogo no Cotidiano da Escola: Uma Forma de Ser e Estar na Vida. Revista de Educação: O Jogo na Sala de Aula. Porto Alegre: Projeto, v. 8, n.10, out. 2008.
DOHME, Vania. Atividades Lúdicas na Educação: O Caminho de Tijolos Amarelos do Aprendizado. Petrópolis: Vozes, 2003.
FORTUNA, T, R. Sala de Aula é Lugar de Brincar? In : Xavier, M.I.F. e DALLA ZEN, M.I.H. Planejamento: Análises Menos Convencionais .Porto Alegre: Mediação,2000 (Cadernos de Educação Básica, 6);
FORTUNA, Tânia Fortuna. A formação lúdica do educador.In: Múltiplos Alfabetismos: Diálogos com a Escola Pública na Formação de Professores/ Organizado por Jaqueline Moll. – Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2005.
FREIRE, Madalena. O Que é Um Grupo. In: Paixão de aprender / Madalena Freire… [et al]; GROSSI, Ester Pilar (org.). Petropolis : Vozes, 1992.
HUIZINGA, J. Homo ludens: O Jogo Como Elemento da Cultura. 4. Ed. São Paulo: Perspectiva, 1993 (ed. Orig. 1938);
KISHIMOTO,T.M (org.) Jogo, O Jogo e a Educação Infantil. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2003.
MALUF, Angela Cristina Munhoz. Brincar: Prazer e Aprendizado. 5ª Ed. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.
PENTEADO, Heloísa Dupas. Jogo e Formação de Professores: Vídeopsicodrama Pedagógico. In. KISHIMOTO, T.M (org.) Jogo, Brinquedo, Brincadeira e Educação. São Paulo: Cortez, 1997.
SANTOS, Vera Lúcia Bertone dos. In: Cor, Som e Movimento (Org.) CUNHA, Susana R. Vieira da. Ed. Mediação 2ª ed. 2001;.